...e para mais alguém.

domingo

O Conto - Parte IV


  No início do dia , o sol despejou-se lá do seu alto até à terra seca e emanante de luz por toda a parte, como que se o brilho da manhã que acontecia fosse líquido , e a aridez do solo um mar de calor alumiado, a correr etéreo e imenso por entre as nervuras da terra e dos arvoredos, completando-os omnipresente.
  Alguns Bangoe já despertos aos primeiros tons de dia comentavam entre si o futuro, e juntavam-se-lhes os que acordavam que querendo achar alguma orientação sobre os dias vindouros escutavam quem aparentava ser mais sábio. A tribo vivia a primeira manhã da Ngwami esperando por ela apesar do manto de pessimismo e desgraça que a lenda lhe atribuía, e queriam vê-la com mais detalhe , protegidos na segurança do grupo . Uns pediam para entrar na habitação de Nganupe para saciar a curiosidade, descartando o respeito ao jovem casal ,outros aguardavam mais de longe que a qualquer momento a mulher surgisse com a aberração nos braços mas Nganupe absorta na solidão íntima da sua tristeza nem capaz era de levantar-se. Só Bandu interpelava as vozes que exigiam a aparição do recém-nascido dizendo-lhes que queriam estar sós. De fora ouviu-se a voz de Ma´wa irrompendo pelo coro de curiosos, repreendendo-os por perturbarem o descanso da sua filha antes de entrar no casebre. Quando a velha entrou sentiu pela primeira vez um género de sentimento de laço à neta ou alguma raspa de afecto que a prepocupou quando viu Nganupe de costas para a criança à beira da cama, na iminência de cair, justificada pela distração de Bandu , quando lidava com os curiosos que os importunavam. Ma´wa pegou na neta friamente porém, e colocou-a de novo entre os braços da filha que tinha nos olhos duas sádicas fontes que irrompiam sal desde que parira.
  O dia passou algumas horas e o lume da noite passada estava já seco e findo , como o ontem , e quando o interesse dos Bangoe dissipou-se temporariamente nas tarefas quotidianas Bandu saiu mas enquanto caminhava reunia-se grande parte da tribo á sua frente, e o jovem avançava eito a eles, já com o rosto e estatuto de quem ostenta vergonha na prole. As circunstâncias obrigavam-no a pousar os olhos na terra, sem entender a origem daquele peso enorme que lhe punha o olhar  raso na presença dos que o observavam a aproximar-se , fazendo-o sentir-se um estranho e indesejado , e seguiu confuso até àquela assistência inédita, deixando transparecer na hesitação dos passos a necessidade de aprovação da tribo. 
  Entre eles havia divisão . Uns regateavam misericórdia ou algo semelhante a compaixão para com um pai jovem , outros desdenhavam-no por razões ainda desconhecidas e que o tempo haveria de justificar através da desgraça futura que contagiaria aquele povo mais tarde ou mais cedo. E assim acendeu-se um novo lume em torno da fogueira de ontem já apagada , desta vez ardido nas palavras que se soltavam calorosas nos fôlegos gastos em ameaças , insultos e acusações. Chegara a maldição silenciosa , sem que que os negros dessem conta, ocupados que estavam a discutir vincadamente divididos . Nem um dia tinha de vida e já a presença da Ngwami demonstrava o jus ao agoiro.
“ Matem-na! “ – Gritavam alguns. Não seria a primeira vez que uma alma pouco vivida seria abatida por desejo dos outros. Muitas houveram nos Bangoe que por imperfeição ou algum detalhe particular foram eliminadas e segundo esse critério a Ngwami teria poucas hipóteses de prosseguir a vida que era regateada a metros de si num licitamento aceso entre os que pretendiam a eliminação da má sorte pela raiz e os que por laços de sangue mais próximos do casal rebatiam o mando infanticída que se revelava tenaz , na crescente animosidade. 


Continua.... 

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