...e para mais alguém.

quinta-feira

Um Conto Para Si - Parte VI


De imediato a fonte de sons á solta reduziu a intensidade sonora caída pelo ar , como que evaporada daquela terra quente . Houve uma figura que apareceu rumando a eles, frágil, de rosto azedo e trato frio com olhos mortos. Era Machenka, o curandeiro. Caminhava com uma vara fina , quase da sua altura, e com ela brandia o Universo a cada passo, como que naquela madeira esguia estivesse posto todo o equilíbrio e razão das coisas que ele quase soberano sabia e marcava esse dom a cada passo com a devida pompa apesar de fraco e velho . Aproximou-se do seu povo ali reunido com essa mesma postura e presunção de poder medir o mundo e nele achar a razão de tudo , que para ele podia não valer nada . É assim a vida de curandeiro xamã: lida-se mundanamente com as coisas dos dois mundos: o mundo nosso e o dos deuses .
Com esta aparição findou-se a disputa entre as facções que se batiam. Todos serenaram certos de que a razão podia ser encontrada na sabedoria daquele velho de vara adornada e colorida na mão. Detrás do velho xamã vinha Mabwili , o chefe dos Bangoe que apesar de robusto e temível de face surgia diminuído pelo aparato discreto da solenidade de Machenka.
Machenka chamou Bandu com uma voz serena, quase doce, totalmente contraditória às vozes comuns de antes há pouco e o jovem aproximou-se daquele homem que conhecia desde sempre e com quem sempre lidara com a distância afectiva de quem não se conhece .Tamanha ironia. Quando se achou a uma distância respeitável do velho feiticeiro parou submisso à espera que Machenka partilhasse algum oráculo ou mesmo até da sua sabedoria e num instante teria para si e para a Nganupe o alívio de uma certeza e de uma sabedoria emprestadas quanto ao destino da criança.
Tão curioso e absurdo é o teu mundo Ngwami que os teus traços de vida vão ser assentes agora pela aleatoriedade daquilo tudo que acontece sem razão aparente ou então medidos pela fita de medir certezas desse velho que tudo sabe. Seja como for ninguém sabe como o destino funciona.
   “Os dias da Ngwami serão decididos esta noite. Quando a noite chegar trá-la até mim . Tu , Nganupe e Ngwami. Ninguém mais que os três.” -Sentenciou Machenka. Seguiu-se o líder Mabwili que rematou:
    “Machenka falou , ide para as vossas lides. Não se falará mais de Bandu nem de Ngwami. ”
Assim o ajuntamento humano diluíu-se pelo pó e pelas areias daquele fim de manhã . Uns para as suas tarefas, Bandu para a sua mó de alma que dormia entre os seios da sua mulher. Essa mesma perversa que quando informada da agenda nocturna desse dia incendiava um pavio de esperança sinistra que arderia ensopada de regozijo caso a sentença de Machenka ou dos deuses fosse favorável á rectificação da estranha alma que tinha parido.
  
Á noite terás um rumo doce criança.


Continua.... 

4 comentários:

  1. Gostei! Vou continuar a seguir atentamente. Boa noite.

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  2. A sabedoria e o poder, de um povo com tradições...
    Vou tentar seguir...
    A música que acompanham as palavras, bela!

    Obrigada.

    Helena

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  3. obrigada pelas palavras, pelo conto que ainda segue, pelas imagens,pelos solitaros e belos imbomdeiros, e pela musica de excepcional beleza que nos seduz e nos agarra as palavras, as paisagens ideais, as savanas quentes e a terra vermelha e ao som de um sax estamos lá
    eu sou Ana Sobral

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