...e para mais alguém.

quarta-feira

O Conto - Parte III

  Os outros repudiaram aquela aparição nua de roupa e de negrura com medo e não entenderam  a intenção dos deuses de enviar-lhes um Ngwami porque tinham  cumprido todos os rituais de adoração como ditavam as leis e o curandeiro. Tinham em frente o augúrio de anos de fome e doença na forma de uma criança de um tal género do qual tinham apenas ouvido falar pelo conto dos mais antigos e esses mesmo nunca tinham testemunhado essa vinda da má sorte enquanto vivos. De entre os escombros das almas dos homens em torno do lume houve um que se levantou e dirigiu-se pesado com a maldição do céu para dentro da sua palhota. Era Bandu , o companheiro de Nganupe. Quando entrou olhou para  a sua parceira deitada numa cama primitiva feita de paus e peles estendidas , de costas para a filha albina que berrava e  pedia  amparo de uma mãe. Ma´wa insistia a que ela pegasse na recém-nascida mas e Nganupe?  A jovem soltava um choro morto presa num estupor posto nos olhos. Ma´wa pegou na criança e colocou-a nos braços da filha em teimosia e gritando mas ela não ouvia. Estava perdida em si , percorrendo a selva de lamentos , rancorosa de ser mãe de um dejecto que veio ruir-lhe os sonhos que tinha com Bandu e pô-la mal vista aos olhos das outras mulheres férteis e abençoadas. Se ao menos a criança tivesse vindo morta…Se ao menos ela tivesse morrido seria uma dor menos insidiosa que os espíritos lhe dariam. Quando sentiu o calor da filha pela primeira vez ficou repugnada , era um calor asqueroso de ranço de imperfeição . Pode alguém amar o que é maldito? Mesmo uma mãe?
  Bandu sentou-se no chão apoiado nas costas pela parede de paus e terra e nem pediu a Ma´wa que ficasse quando esta exausta também decidiu ir para a sua habitação já segura de ter a sua parte de trabalho feito.  Em frente tinha a mulher que escolhera para si desde criança . Pensava em como os anos não podiam deixar adivinhar a vinda de um dia em que a visse tão sofredora e partilhava da dor daquela mulher de cabelo adornado de peles e fitas com o luar reflectido-se na pele rica e lustrosa  , com peitos fartos de leite,  agonizante que procurava recompor-se com alguma esperança vinda sabe-se lá de onde do desgosto que lhe causava uma maldição nascida há momentos e que a humilharia enquanto fosse viva. Ó África cruel que por entre a morte leonina e nas sombras dos abutres não espalhas tu tanta perfídia como aquela que deste a experimentar a essa filha tua . Porque lhe inauguras a maternidade assim tão madrasta? Até tu sabes ser doce quando deixas correr no teu rosto de planície a brisa refrescante que impõe alívio a todo o ser vítima dos teus afrontamentos. E choves no teu rosto despejando a Vida em gotas quando queres encher os lagos e mostrar a tua dilúvica bondade. Que fazes tu agora Àfrica aos olhos da jovem? Quere-la ver padecer do fruto da agrura que te faz fama tomando-a como mais um qualquer ser ao qual não aprovas misericórdia como as presas serradas nas bocas das feras que morrem sem qualquer advogado ou protector? Porque lhe dás uma dor enlaçada com  responsabilidade maternal? Deixa a pequena  recompor-se ó terra bruta. E faz o sono tomar-lhe o corpo.
 Nganupe adormeceu e a criança também . Bandu ficou deste lado dos sentidos aguardando  uma vida incógnita a estrear já no amanhã que queria adiar,  e assustado , desconhecedor da vida, não reagia… Esperava que o sol não viesse iluminar-lhe os olhos tristes outra vez. Nem à mulher, nem à filha que nunca terá nome,  somente o epíteto.  Que Àfrica , a tão bruta das terras tenha particular misericórdia de ti já amanhã criança , mais do que de todas as outras...


Continua.... 

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